quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Racismo na Mídia

DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA
Mobilização denuncia racismo na mídia

Por Jamila Venturini em 27/11/2007 na edição 461

Na terça-feira (20/11), foram realizadas em quase todas as grandes cidades do país manifestações vinculadas ao Dia da Consciência Negra, data que marca a luta e resistência da população negra no Brasil. Na ocasião, membros de diversos movimentos lembraram o papel da mídia no reconhecimento da cultura e das lutas dos negros no país.

Segundo o IBGE, aproximadamente metade da população brasileira é negra, mas a invisibilidade da população afrodescendente ainda é a regra nos meios de comunicação. Por isso, líderes do movimento reivindicam o fim da disseminação do racismo na mídia e o acesso dos negros e negras à produção e difusão de informação.

"A mídia ainda trata o negro no sistema escravocrata", avalia Mariângela Frasão, do Fórum de Mulheres Negras do Estado de São Paulo. "O negro permanece sendo associado a uma imagem de subserviência, a uma imagem do negro com uma atitude menor, do negro que não pensa, do negro que não tem ideologia".

Estatuto da Igualdade Racial

Mara Cardoso de Lima, do movimento Hip Hop, identifica nos últimos anos uma tentativa de inserção dos negros na mídia, principalmente nos meios televisivos, mas afirma que "os personagens negros cumprem um papel de mostrar que é possível vencer na vida, ainda que a imensa maioria continue na miséria e com condições de trabalho precárias".

"Os grandes jornais não têm mostrado de forma democrática os problemas e a luta do povo negro no Brasil", aponta Julião Vieira, da União de Negros pela Igualdade (Unegro). Ele cita, por exemplo, a ausência de matérias que retratem as dificuldades da juventude negra, a grande vítima de assassinatos. Vieira também aponta outra face da exclusão: "O movimento tem profissionais formados que poderiam pautar estas questões, mas estes não conseguem ingressar na grande imprensa." Pesquisas recentes confirmam: nas televisões, apenas 5,5% de apresentadores e profissionais que aparecem no vídeo são negros.

Éber Fagundes, coordenador da sede nacional do Educafro, compreende como central a ausência de negros e negras como protagonistas na cultura e na produção jornalística. Segundo ele, a posição do movimento é de que para se avançar na representação do negro na mídia é necessária a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, reivindicação histórica do movimento negro e uma das principais pautas da 4ª Marcha da Consciência Negra, que ocorreu neste dia 20 de novembro em diversas cidades brasileiras. "Com a aprovação do Estatuto, nós teremos um percentual representativo de negros no mercado de trabalho e, conseqüentemente, aumentaremos sua representação na mídia."

Distribuição democrática de concessões

Além da representação nos meios de comunicação já estabelecidos, os movimentos identificam cada vez mais a necessidade de se inserirem na luta pela democratização da comunicação. Segundo Vieira, no último Congresso da Unegro o tema foi discutido com mais de cinco mil militantes. A partir de agora, o movimento pretende se aliar aos demais movimentos sociais para acompanhar e participar de forma ativa da Conferência Nacional de Comunicações, de modo a torná-la mais democrática.

Mariângela, que também faz parte da Coordenação Nacional de Entidades Negras, destaca ainda outras iniciativas, como a elaboração de denúncias e documentos sobre violações dos direitos dos negros. "A mídia tem uma ideologia branca e é através da luta que nós vamos vencer essa postura."

Mara concorda e aponta que não há interesse das emissoras de televisão em retratar o negro de forma a garantir sua libertação, já que a maioria das concessões é detida por brancos ricos. "Eles podem colocar algumas representações negras, mas isso é o máximo que irão conceder." Ela defende a distribuição democrática de concessões de rádio e televisão para que o movimento negro possa também ter acesso aos meios de comunicação e expressar suas lutas históricas e seus pontos de vista.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Pérolas negras: Brasil e África ligados pela arte

Danielle Kiffer

 Roberto Conduru
    
    Na mostra Perles de Liberté, realizada na Bélgica, foram
       apresentadas joias de crioulas usadas na Bahia 
Muito além do que revela nossa história, a identidade africana se faz presente em nossa cultura. Exemplo disso são os diversos artistas contemporâneos que apresentam referências negras em suas obras, mesmo sem essa preocupação. São os fortes indícios dessa africanidade na arte que o pesquisador Roberto Conduru procura revelar em seu projeto “Pérolas Negras: Experiências Artísticas e Culturais nos Fluxos entre África e Brasil”. O estudo é, conforme explica o próprio pesquisador, “um olhar sobre como a presença africana atravessa a cultura e arte brasileiras. Escolhi destacar os artistas contemporâneos que trazem essa marca, sem necessariamente fazer das características negras um estilo ou tema de seu trabalho”, diz Conduru, que é Jovem Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ. Este ano, como curador das exposições Incorporations e Perles de Liberté, o pesquisador pôde mostrar parte de seu projeto no evento bianual Europalia Brasil 2011, realizado na Bélgica. Com obras de artistas como Mário Cravo Neto, homenageado no evento, Caetano Dias, Jorge dos Anjos e Marcondes Dourado, a mostra Incorporations apresenta algumas obras com reflexões sobre a dimensão africana na cultura brasileira.
Na mostra Perles de Liberté, Conduru criou um ambiente sensorial, com músicas de Clementina de Jesus e Mart’nália, entre outras cantoras, cheiro de folhas de eucalipto espalhadas pelo ambiente em que ficaram expostas joias de crioulas usadas na Bahia e fios de contas para cultos aos orixás, além de fotografias. “Com essa diversidade, pretendi mostrar como as tradições africanas estão sempre muito presentes, como as ligações com a África são inerentes e fundamentais para a compreensão da cultura brasileira”, explica Conduru.
Homenageado na mostra Incorporations, o fotógrafo e escultor Mário Cravo Neto foi um dos artistas contemporâneos estudados pelo pesquisador. Ao conhecer o acervo do Museu Nacional de Antropologia de Angola, em uma viagem a Luanda, capital de Angola, em 1990, quando produzia fotos para o livro Angola e a Expressão da sua Cultura Material,  teve seu interesse despertado para a riqueza artística dos terreiros. É a partir de 1998 que Cravo Neto se aproxima do culto afrobaiano e, por sete anos consecutivos, se dedica a fotografar e gravar em vídeo a vida e os rituais do culto, em especial do terreiro Ilé Àse Ópó Aganju.
Outro participante da mesma mostra, o artista plástico Martinho Patrício utiliza o tecido como suporte para seus trabalhos, evocando um diálogo que aborda conceitos relativos à religiosidade – sagrado e profano – em suas obras neoconcretas. Com exposições individuais no Observatório Cultural Malakoff, em Recife, em 2005; no Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães também em Recife, em 2002; e no Espaço Cultural Sérgio Porto, no Rio de Janeiro, em 2000; o artista também tem seus trabalhos como parte do acervo do Museu de Arte Moderna da Bahia, em Salvador. De acordo com o pesquisador, suas obras dialogam com a cultura popular, com forte acento afro.
Para exemplificar um pouco mais a relação intrínseca entre a cultura brasileira e a africana, o pesquisador cita o movimento modernista, no qual alguns artistas buscavam referências africanas, buscando, segundo explica Conduru, uma valorização da cultura afro. “Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Rubem Valentim e Heitor dos Prazeres são exemplos de artistas que representaram tipos e elementos da cultura afrobrasileira”, descreve.

“Ao conectar arte e cultura material às questões da africanidade e da afrobrasilidade, não se pretende delinear um estilo artístico afrobrasileiro, um movimento artístico produzido unicamente por afrodescendentes ou apenas representativo da cultura afrobrasileira. Importa mais configurar um campo composto por objetos e práticas bem diversificados, mas, de algum modo, vinculado a essas questões, a partir do qual tensões artísticas, estéticas, pedagógicas, culturais e sociais podem ser problematizadas historicamente”, explica.
Mesmo com a identidade artística nacional entrelaçada a essa influência africana, Conduru percebe um silenciamento sobre o assunto. “Não deixa de ser flagrante o silêncio quase completo que paira sobre as influências que as artes e culturas africanas têm na formação cultural e na arte brasileiras, seja antes, durante ou depois do modernismo. A inexistência de livros e exposições históricas agrava esta situação; há exceções de alguns museus, como o AfroBrasil, inaugurado em 2003, na cidade de São Paulo”, conta. Situação que Conduru retrata de forma poética: “Por isso, me refiro a cada produção artística que nasce desta condição social marginalizada como uma pérola, que surge da presença estranha de um grão de areia no interior da concha.” Para o pesquisador, cada pérola significa, como num fio de contas, a diversidade e a vastidão artística que formam a riqueza cultural brasileira.
Conduru ressalta que há movimentos caminhando para romper este silêncio. “Com certeza, existem e crescem continuamente estudos, publicações e exposições sobre africanidade e sobre afrobrasilidade em relação a práticas e obras artísticas, estéticas e culturais brasileiras. Mas ainda são iniciativas esparsas, desvinculadas, pouco percebidas ou pouco valorizadas.” Com seu trabalho, o pesquisador tem atuado muito para quebrar essas barreiras. O assunto também é tema de seu livro Arte Afrobrasileira, que tem sido cada vez mais utilizado nas bibliografias dos cursos de arte. “É um fato que transcende a questão de orgulho pessoal, mas que denota a valorização da arte afrobrasileira”, conclui.
Fonte: Faperj

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

O negro na Escola

Vilena Souza


Componente do Grupo Memória/História (noite)


Pelo que sabemos, ao longo dos últimos anos, houve uma crescente auto-afirmação dos afrodescendentes, buscando iniciativas, entre outras coisas da afroeducação. Contudo, isso só está sendo possível, pelas pressões que o movimento negro vem fazendo ao longo de anos de lutas para que suas reivindicações fossem atendidas. Mesmo com os progressos feitos até aqui, ainda há muito o que fazer nesse campo.


Também sabemos que para um amplo estudo da realidade africana que vai desde sua culinária, modo de se vestir, até sua religião, dependeria de uma interconexão de várias disciplinas e de campos de conhecimento como História, Geografia, a Sociologia, Ciência Política e da Antropologia, que juntas traçariam uma análise da passagem e contribuição do negro pelo mundo.


A primeira Lei assinada na gestão do então presidente Luis Inácio Lula da Silva, que torna obrigatório o ensino de História e da Cultura Afro-Brasileira na Educação Básica, foi a Lei 10.639 (de 9/1/2003), da Constituição Federal nos seus Art.5,1, Art. 210, Art.206,1, p 1 do Art. 242, Art.215 e Art.216, bem como nos Art. 26, 26A e 79B na Lei 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Ainda fazendo referência a lei citada, determina que o dia 20 de Novembro como dia Nacional da Consciência Negra, no calendário escolar


Há também o Decreto n 4.886(20 /11/2003), que estabelece a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PNPIR). Com base nesses dois instrumentos jurídicos, estamos destacando a pluralidade racial no Brasil no que diz respeito ao processo educativo que está referendada como prioridade na população negra brasileira como destaca Petronilha (0215/SOS).


Para reeducar as relações étnico-racias, no Brasil, é necessário fazer emergir as dores e medos que têm sidos gerados. È preciso entender que o sucesso de uns tem o preço da marginalização e da desigualdade impostas a outros. E então decidir que sociedade queremos construir daqui para frente.




È importante também lembrar o que o movimento negro busca, não está só ligado a questões dentro da escola como reconhecimento de sua História e Cultura, mas também de como expressar sua visão de mundo, manifestação individual e ou coletiva de seus pensamentos. Reconhecimento este que a colonização e História tentaram anular, já que o negro até então era educado para o mercado de trabalho e passível a ordens. Forma essa de reconhecimento que através do Decreto do governo por meio de Políticas de Ações Afirmativas, visa reparar erros do passado, e também combater o racismo que ainda existe em nossa sociedade, mesmo que de forma disfarçada.




Por fim a questão do negro na escola nos vem mostrar o quanto se tem que discutir isso plenamente, já que precisamos reconhecer no continente africano um objeto de pesquisa a ser devastado na sua imensidão, entender tudo que aconteceu desde o início dos tempos até aqui, explicar o porquê dos acontecimentos e trazer para sala de aula, situações que problematizem a situação do negro na sociedade brasileira.


Referencia Bibliográfica


ABREU, Martha; MATTOS, Hebe. Em torno das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e africana: uma conversa com historiadores. Estudos Históricos, v.21, n. 41, p. 5-20, jan/jun. 2008.


BRASIL. Lei nº 10.639 de 09 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm> Acesso em 20 de nov. de 2011.



BRASIL. Resolução de nº1, de 17 de junho de 2004. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/res012004.pdf> Acesso em 20 de nov. de 2011.





A luta pela educação

Ester Pacheco


Integrante do Grupo Memória/História (noite)



A escravidão em nosso país que durou por quase quatro séculos, além de ter


causado muito sofrimento ao povo negro, fez com que ele ficasse à margem da nossa sociedade. Não foi permitido que os escravos tivessem acesso à educação apesar desse direito ser reconhecido na Constituição de 1824, com a obrigatoriedade do ensino do 1°grau.


Com o fim da escravidão, o direito à educação ainda continuou sendo negado, como uma forma de manter as desigualdades raciais e a superioridade das camadas dominantes sobre os excluídos do sistema educacional, ou seja, a manutenção do status quo.




Menos perversa que há algumas décadas quando o acesso de negros


à educação era impedimento legal e posteriormente factual pela falta de


expansão do sistema de ensino público, ainda em nossos dias constata- se, por


meio de estudos quantitativos/ qualitativos, que se em alguns níveis de ensino,


a igualdade racial foi alcançada por meio da presença equiparável de negros e


brancos, o mesmo não ocorre à medida que os níveis de ensino se elevam e as


profissões a eles vinculadas gozam de maior prestígio e com possibilidade de


remuneração mais alta. ( OLIVEIRA: SACRAMENTO, 2010)




O movimento negro tem lutado contra as desigualdades raciais, a fim de garantir o acesso e a permanência dos negros na educação escolar e a igualdade racial entre negros e brancos.



O Estado se viu obrigado a construir políticas públicas que garantissem os


direitos negados a essa população. A implementação da Lei n° 10.639/ 03 e suas


diretrizes, torna obrigatório o ensino nas escolas da verdadeira história desse povo, a valorização da diversidade étnicorracial e a sua importante participação, enquanto cidadão ativo, na construção do nosso país.




Referência:


OLIVEIRA, Iolanda; SACRAMENTO, Mônica. Raça, currículo e práxis pedagógica:


relações raciais e educação – o diálogo teoria/prática na formação de profissionais


do magistério. In: CADERNOS PENESB, Faculdade de Educação, n. 12, 2010,


205-284.

Dia da Consciência Negra é visto como reflexão contra o preconceito

A data 11/11/11 foi comentada em todos os noticiários do mundo. Muitos atribuíam às teorias de conspiração religiosa, a acontecimentos estranhos, mas a data também marca a assinatura da Lei 12.519, pela presidente Dilma Rousseff (http://g1.globo.com/brasil/noticia/2011/11/governo-oficializa-dia-nacional-de-zumbi-e-da-consciencia-negra.html), que cria o feriado nacional do Dia da Nacional de Zumbi e da Consciência Negra no dia 20 de novembro. A data é usada como momento de reflexão em relação à situação da comunidade negra. Para o coordenador da Central Única das Favelas (CUFA), em Araguari, Agnaldo Daniel da Silva, o Zulu, o momento é de reflexão voltada à sensibilidade.
“Queremos que as pessoas se sensibilizem com o preconceito. Quando presenciarem uma situação lute contra ela e não pule fora, como acontece. De nada adianta o branco fazer parte das tradições negras, se no dia a dia ele não se sensibiliza com as coisas que acontecem a sua volta.Levantar a bandeira contra o preconceito tem que acontecer todos os dias”, disse o coordenador.
Zulu acredita que todo o preconceito faz parte de um círculo vicioso, desde a família, educação e emprego e, para melhorar, basta uma porta se abrir. “Tudo está interligado. A educação no país hoje é uma situação que ninguém quer tomar conta. A família joga a responsabilidade da educação dos filhos para a escola, que repassa para o conselho tutelar e que joga para a família de novo. Se tivéssemos mais negros nas escolas, teríamos alunos nos bancos das faculdades e, consequentemente, mais no mercado de trabalho”, disse Zulu, que apoia o sistemas de cota para negros nas universidades, pois considera com uma porta que se abre.
O coordenador da CUFA também avalia que uma grande ajuda no combate ao preconceito são as ações na televisão, como novelas, documentários e também os investimentos das prefeituras na festa do congado.
“O ser humano faz o que vê e acaba sendo influenciado de forma positiva e acaba também conhecendo mais sobre a nossa religião, cultura e tradições. Os investimentos também nos ajudam a manter nossa tradição. Hoje, a festa do congado em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, e Catalão, no estado de Goiás, são enormes.Se não fossem esses investimentos, elas seriam restritas à comunidade negra”, acrescentou.
Para comemorar a data em Araguari, durante toda essa semana foram realizados vários eventos com palestras, apresentações teatrais e filmes, desfiles, missa afro e, para encerrar, foi realizado na Casa da Cultura o Prêmio Destaque Negro, onde 14 pessoas foram homenageadas. “As homenagens foram referentes às personalidades que marcaram este ano em todas as áreas, desde segurança pública à dança, música e religião”, concluiu Zulu.
UberlândiaO último dia de comemoração da data em Uberlândia será realizada no próximo domingo (27), das 9h às 20h30, no Centro Cultural Estrela Guia, o Encontro da Diversidade – Mutirão da Cultura com palestras, apresentações artísticas, serviços a comunidade, cinema e shows com as bandas Serelepe e Skema Novo.


Fonte: http://g1.globo.com/minas-gerais/triangulo-mineiro/noticia/2011/11/dia-da-consciencia-negra-e-visto-como-reflexao-contra-o-preconceito.html

'Aprendi a ler aos 15', diz professor de comunidade quilombola do CE

Presidente da Associação dos Remanescentes de Quilombos de Alto Alegre e Adjacências (Arqua), no município de Horizonte, Ceará, Francisco Haroldo Silva, 48 anos, é um professor que só começou a estudar aos 15 anos. ''Comecei a estudar já tinha 15 anos porque meu pai não era muito de incentivar estudo. Ele queria que eu trabalhasse para ajudar no sustento da casa", recorda. Neste domingo (20), comemora-se o Dia Nacional da Consciência Negra.
Francisco Haroldo cresceu na comunidade Alto Alegre, que, segundo o relato de antigos moradores como Tereza de Jesus da Silva, surgiu com a fuga do escravo Negro Cazuza de um navio ancorado na Barra do Ceará, em Fortaleza. O escravo se fixou em Alto Alegre e as festas dos moradores, no alto de uma serra, rederam o nome da comunidade. Na comunidade, segundo ele, teve oportunidade de viajar e lutar ''pelos direitos dos negros''.
Depois que a mãe abandonou a família no sertão central do Ceará, o pai de Silva e os dois filhos maiores se mudaram para Horizonte, município da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Como a escola era distante, Silva só passou a frequentar as aulas quando podia ir por conta própria. Enquanto fazia o supletivo do Ensino Médio, afirma, já começou a ser professor de alfabetização, em Horizonte.
Daí não parou. Haroldo ingressou na Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central, da Universidade Federal do Ceará (Uece). "Fiz Ciências da Natureza e Matemática. Me formei e comecei a melhorar de vida".Se hoje a casa é grande, de cimento e tijolo, "do jeito que sempre sonhou", foi também graças aos esforços nos estudos, segundo o professor. "Quando eu me casei, minha casinha era de taipa. Só tinha uma televisão pequena e uma bicicletinha para ir trabalhar todo dia", disse. No que depender dele, os filhos também vão para a faculdade.
Disciplina de afrodescendênciaSilva diz que boa parte da comunidade se recusa a lutar pelas melhorias. "O grande problema é a aceitação da comunidade em ser quilombola'', diz. Por isso, ele ressalta como de grande importância o fato de haver em todas as escolas de Horizonte a disciplina de afrodescendência, desde a pré-escola até o 9º ano. "O nosso povo tem melhorado bastante com essa influência da escola. Antes ninguém dizia que era negro, dizia que era moreno", afirmou.
Aos filhos, o professor diz que sempre fala que em vez de ter vergonha, deve-se ter orgulho. "Negro é uma cor linda". O filho do meio, de 17 anos, já acompanha os passos do pai e já representa a comunidade em lugares, onde Haroldo não pode ir. "Ele foi e representou muito bem".
BonecasNa mesma comunidade quilombola de Alto Alegre, um grupo de sete mulheres se reúne para fazer bonecas de pano negras. As mulheres receberam R$ 1 mil do Unicef para iniciarem o negócio, que acabou não dando tanto lucro, mas prazer para quem faz.
A coordenadora do grupo "bonequeiras da Arqua", Aldeniza da Silva, 37 anos, conta que há dois anos, eram 25 mulheres, que foram desistindo, porque não conseguiram muito retorno financeiro. "A gente está fazendo pelo prazer de fazer as bonecas. Eu ficava em casa assistindo televisão sozinha. Fui procurar o que fazer e veio isso para mim. Eu não queria ser líder nem nada", conta.
Mas as que ficaram, estão pelo prazer de construir algo e ainda conscientizam as crianças do orgulho de ser negro. "Ainda existe o preconceito. É importante para incentivarmos as criancinhas de que não tem nada de menor em ser negro. Ao contrário".
Além de bonecas, o grupo costura almofadas e mochilas com rostinhos de bonecas negras. Aleniza diz não saber quantas faz por mês, mas diz que o lucro dá para comprar o material. Ela recorda que a mãe costumava fazer bonecas de sabugo de milho. "As vezes quando eu estou fazendo eu fico imaginando minha mãe. Estou confeccionando a boneca na máquina. É um orgulho", afirma.

Fonte: http://g1.globo.com/ceara/noticia/2011/11/aprendi-ler-aos-15-diz-professor-de-comunidade-quilombola-do-ce.html

domingo, 20 de novembro de 2011

IÊ, VIVA MEU MESTRE!




A história da Capoeira Angola a partir de reflexões de crianças angoleiras.


Cedido por: Itinerante Filmes
Titulo do vídeo: IÊ, VIVA MEU MESTRE!
País:Brasil
Duração: 00:26:00
Diretor: Manoela Ziggiatti, Selma Perez e Valesca Dios
Sinopse
A partir das reflexões de crianças angoleiras, nasce um precioso relato sobre a história da Capoeira Angola, permeado por situações que tangem questões como racismo, gênero, identidade e ancestralidade. Este documentário é resultado de uma parceria entre a Itinerante Filmes e o Grupo Nzinga de Capoeira Angola. Foi produzido inicialmente como complemento da Tese de Doutorado de Rosângela Costa Araújo (Mestra Janja), apresentada na Faculdade de Educação – Universidade de São Paulo, em 2004.

Fonte: Televisión Latinoamericana

sábado, 19 de novembro de 2011

Crianças negras atrasadas na escola são o dobro das brancas

O percentual de crianças negras de 7 a 14 anos que estão mais de dois anos atrasadas na escola é o dobro do registrado entre as brancas. Enquanto 16,7% dos alunos negros estão nessa situação, entre os brancos, o índice é de apenas 8%. Os dados compilados pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets) são referentes a 2009 e reforçam a tese de que as desigualdades entre negros e brancos se repetem no ambiente escolar.
O fator socioeconômico geralmente é o mais usado para justificar o atraso escolar dos estudantes negros. Isso porque a condição social do aluno tem grande impacto na aprendizagem e a maioria da população de baixa renda do país é negra. Mesmo quando são considerados alunos de um mesmo nível econômico, os não negros têm desempenho superior aos negros.
É o que aponta um levantamento feito pelo economista Ernesto Faria, do Portal Estudando Educação. Comparando as notas de Matemática e Português da Prova Brasil de 2007, alunos de uma mesma faixa de renda e cor da pele diferentes também têm notas desiguais. Entre os 25% de estudantes mais pobres do 5° ano do ensino fundamental, a nota dos brancos é, em média, oito pontos superior nas duas disciplinas. Entre os 25% mais ricos, a distância é ainda maior: os alunos brancos atingem 24 pontos a mais em Português e 25 a mais em Matemática.
Para André Lázaro, especialista na temática de diversidade em educação, uma das explicações para esse resultado é que, em geral, os alunos negros frequentam escolas com pior infraestrutura em comparação aos não negros. Essa situação foi revelada pelo Relatório das Desigualdades Raciais, lançado este ano pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em todas as etapas de ensino, os negros enfrentam piores condições que os brancos.
Enquanto 9,6% dos alunos brancos do 9° ano do ensino fundamental frequentam escolas com nenhuma adequação, entre os negros, o índice é de 12,9%. Já no 5° ano, 27,9% dos brancos frequentam escolas com estrutura exemplar ¿ entre os negros, o patamar é de 22%.
"Além da questão estrutural das escolas, não tenho dúvida de que a dimensão cultural é fortemente explicativa do resultado escolar. O racismo tem um impacto muito forte na educação. Os modelos e exemplos educacionais dos livros didáticos, por exemplo, ignoram a dimensão da cultura negra e com isso você tem uma escola em que o negro não se vê", destaca Lázaro, que foi secretário de Diversidade do Ministério da Educação (MEC) e hoje é consultor da Organização dos Estados Ibero Americanos (OEI).
Um dos autores do Relatório das Desigualdades, o professor Marcelo Paixão avalia que a discriminação existente no ambiente escolar acaba por agravar as diferenças entre negros e brancos. "O espaço escolar deveria ser de formação de cidadania - quando isso não é feito de maneira crítica ele se torna um instrumento de perpetuação das assimetrias", diz.
Para a diretora de Educação no Campo e Diversidade do MEC, Vanessa Faria, tais resultados são reflexo da própria dificuldade da sociedade em reconhecer que existe racismo no país - situação que se repete no ambiente escolar. Em questionário aplicado em 2007 aos estudantes que participaram do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), menos de 3% se consideravam racistas, mas 60% disseram já ter presenciado uma situação de discriminação pela cor da pele e 30% afirmaram ter parentes racistas.
"A escola reflete o que acontece na sociedade. Por anos acreditou-se no Brasil que não existia o racismo, e fica difícil superar um problema quando ele é negado", ressalta Vanessa. Para ela, a diferença de escolarização entre negros e brancos tem diminuído nos últimos anos, e a escola está mais aberta para o debate. "Nunca se falou tanto na questão da igualdade racial, mas este é um processo em construção. Os anos de estudo da população negra crescem em ritmo maior do que entre os brancos", afirmou.

Fonte: Agência Brasil

Cultura afro-brasileira é tema aqui no ZoaSom




Zoasom - pgm 68 - tema: Cultura Afro / Convidados: Paulo Carrano - Professor da Universidade Federal Fluminense e um dos fundadores do Pontão do Jongo e Cridemar Aquino - ator da Companhia teatral, Cia dos Comuns / Músico: Lucio Sanfilippo



Danças, ritmos, sabores, palavras e religiões. São muitos os legados que os negros vindos da África deixaram para nós. Apesar disso, o preconceito ainda é uma realidade quando o tema é a cultura afro-brasileira.

Pensando nisso e para comemorar o Dia da Consciência Negra, o Zoasom dessa semana vai discutir como romper essa barreira de preconceito e falar sobre essa herança cultural tão presente no nosso dia-a-dia.

Como o negro é representado em nossa sociedade? Quais os avanços no combate ao preconceito? O que ainda é preciso mudar?

Essas e outras questões você encontra no Zoasom da próxima quinta-feira, 17 de novembro, a partir das 17h.

E, lembre-se, você pode e deve participar do nosso programa. Para isso, venha para o auditório da Rádio MEC, na praça da República, 141-A, Centro do Rio. Ou então, mande uma mensagem pelo Twitter @zoasom ou um SMS para 8778 5366.

Nos vemos lá!
Fonte: Zoasom/Rádio MEC

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Entrevista com Délcio José Bernardo - Jongo



Délcio José Bernardo é natural de Mambucaba, 4º distrito de Angra dos Reis e servidor público do município. Formado em Comunicação Social pela Universidade de Barra Mansa; Pós-graduado em Raça, Etnia e Educação no Brasil pelo PENESB, UFF.

Esta entrevista foi realizada na UERJ - Maracanã, RJ. No dia 23 de setembro de 2011.
Dividimos a entrevista em três blocos: Família; Escola, Jongo e Movimento Negro.



*Todos esses blocos foram permeados pelo tema Racismo.

** Foto de Paulo Carrano

Elizabeth de Paula; Ester Pacheco; Gláucia L. D. Bispo; João Bastos; Sandra Costa; Vanessa Coutinho e Vilena Souza.

Trabalho do Grupo Memória/História (turma da noite)
Disciplina Relações Etnicorraciais na Escola
2011/2
Prof.: Paulo Carrano
Curso de Pedagogia -Niterói/UFF

TEMA: O Jongo

Entrevistadora: “Você também menciona num dado momento que com a morte dos mais antigos, o jongo foi desaparecendo. Em que momento isso ocorre? Os mais jovens não fizeram nada para o jongo não desaparecer? Eles não valorizavam?”


Délcio: “Você não valoriza o que não conhece, isso é uma coisa. E o jongo é uma coisa interessante, até então eu mudei depois esse texto que eu falava de desaparecimento. Mas eu estava escrevendo umas coisas há um tempo atrás e até estava conversando com a Marta: ‘o jongo na verdade nunca desapareceu, acho que ele estava descansando.’ Porque se você tem isso nessa projeção que é um pouco do material que está na minha monografia que é ‘Do Rural ao Urbano: A trajetória dos Jongueiros de Angra dos Reis’, quando você sai do ambiente rural que você é produtor da sua mão de obra, que você tem espaço, que seus filhos crescem brincando e vai para um morro no centro da cidade, é aonde as casas são menores e os espaços são menores. Você tem muito mais vizinhos, não é mais um grupo familiar só, tem outras famílias, as pessoas tem outros compromissos. Esse grupo de lavradores sem o domínio da leitura e da escrita. E então esses caras vão trabalhar em quê? Os que conseguem trabalhar vão trabalhar de quê? As mulheres vão trabalhar de quê? Então você tem uma desestruturação desse grupo familiar e quando a família se desestrutura o jongo também se desestrutura porque ele precisa de espaço, ele precisa dessa relação da família, ele precisa desse alimento que protege, a mandioca, aipim, porque é isso que os caras vão comer, é banana porque é isso que vai fazer parte do cenário do jongo, a fogueira. Então tudo isso constrói o cenário do jongo e sem essas pessoas que vão ter que procurar emprego aí você não consegue emprego. Você vê seus filhos passando fome. Então o alcoolismo entra, o alcoolismo que antes era uma coisa que você bebe para animar a roda, que você usa para poder esquentar o tambor, para afinar o tambor, você começa a consumi- lo agora numa conta de desespero mesmo, de ver o que vai fazer.
Na minha família o número de pessoas que morreram por doenças causadas pelo alcoolismo é muito grande, eu posso citar dez pessoas entre tios, irmãos do meu pai e irmãos da minha mãe. E assim, e essa nossa relação enquanto jovens de estar naquele espaço da cidade. A gente, eu principalmente tive poucas relações rurais, aí vou para a cidade. Nas cidades você tem máquinas de fliperama, as discotecas, os bailes, que são coisas que te chamam muito mais. E o que era o jongo? O jongo era aquela coisa de família e para além disso.
Quando a gente fazia o jongo, e isso está no texto, todo mundo ficava ‘sacaneando’, dizendo que a gente tinha ido para a macumba, ‘a macumba foi até tarde’ e isso era na rua, na escola, então, a gente criança, era mais ponto de discriminação. A juventude vai fazendo esse rompimento, porque o jongo não era um ato pra gente naquele momento de valor. Eu tinha vergonha de ir para o jongo, eu ia com meu pai e com minha mãe. No terreiro do meu irmão que era no mesmo terreiro da minha casa, tinha jongo, então a gente tinha que ir. Mas a gente tinha vergonha. A gente sabia que no dia seguinte ia sofrer com a garotada. Então isso vai se rompendo, com força total. Monte de gente que bebe fazendo jongo e etc. Então o meu reencontro com jongo é muito tempo depois e com o movimento negro. A gente foi parando de ter o jongo. Os mais velhos foram morrendo e os mais novos não estavam interessados muito no jongo. E com o movimento negro eu fui entendendo porque acontecia aquilo com as pessoas e aí foi que a gente começou a se envolver mais. A voltar a fazer, a buscar os mais velhos e a conversar com eles. Hoje eu entendo a força que tem aquilo, coisa que quando mais novo eu não conseguia entender. Os caras já estavam super mal, caidinhos, quando você conversava com eles e chegava na hora de falar do jongo, isso revitalizava o cara. Ele falando de Jongo, pegava o tambor, começava a tocar e os caras se fortaleciam naquilo. E eu não entendia aquilo. Tinha uma força muito bacana. Tinha um caso que eles contavam no Jongo, de uma senhora chamada Dona Felicidade. Ela vivia o tempo todo caída. Os filhos mais fortes colocavam-na nas costas para pegar um solzinho, depois trazia ela pra dentro de casa de novo, ela não andava, mas quando tinha roda de jongo o pessoal arrumava uma Kombi e ia pro jongo e cantava na roda de jongo a noite toda. É o poder de recuperação do jongo. Então eu busquei essa relação, o que eu via aconteceu com aqueles senhores e senhoras e o que eu via acontecer com o jongo. Por isso, que eu falo que o jongo não parou, mas que descansou. Ele fica durante um tempo quietinho e depois ele volta com mais força. Ele se recupera justamente pela relação entre essas forças. E eu buscava uma relação nessas forças. Neste sentido, a escola. Como é que a gente consegue dentro dessa escola, que por vezes é excludente, produtora do racismo, enfim... E erguer dentro dela. Essa coisa da solidariedade, da ternura, do carinho e jongo faz isso. O jongo, ele permite isso. Então quem passa essa experiência de ternura, carinho, de fraternidade, de sociabilidade com outro, dificilmente você esquece. São elementos que vai te construindo. São elementos que te faz pensar, agora ta assim, mas vai ser melhor.
O jogo pra mim ele tem essa força. De criar relações diversas e agora, neste ‘novo momento’ do Jongo. São vários os tipos de pessoas que estão curtindo o Jongo. E jamais pensei que o jongo tinha essa história. Hoje temos a contextualização do Jongo, ainda em África e você entender, como o professor Robert Slenes fala de que macumba que não é nada disso, de que má é reunião e cumbas são grandes lideres, daí o termo.
A família jongueira vai se ampliando em cima de que? Da solidariedade, fraternidade das pessoas, mas não em um caráter assistencialista, é em um caráter de diálogo. Para mim a educação é isso. Possui caráter de diálogo. Por exemplo, a criança canta um ponto de jongo, se a professora não souber responder, ele ensina pra ela qual é a dinâmica do jongo, pois é bem provável que ela não consiga. E ela vai passar lá uma questão de português ou matemática, enfim... E ele também não sabe responder, então ela vai ensinar pra ele. Paulo Freire falava isso. A troca de experiência. Troca de diálogo e é preciso ser fraternal na troca de diálogo, ainda mais com uma criança. E o jongo tem permitido a gente chegar a isso, desta forma.”

Entrevista com Délcio José Bernardo - O Movimento Negro

**Foto de Paulo Carrano
Délcio José Bernardo é natural de Mambucaba, 4º distrito de Angra dos Reis e servidor público do município. Formado em Comunicação Social pela Universidade de Barra Mansa; Pós-graduado em Raça, Etnia e Educação no Brasil pelo PENESB, UFF.

Esta entrevista foi realizada na UERJ - Maracanã, RJ. No dia 23 de setembro de 2011.
Dividimos a entrevista em três blocos: Família; Escola, Jongo e Movimento Negro.


*Todos esses blocos foram permeados pelo tema Racismo.






Elizabeth de Paula; Ester Pacheco; Gláucia L. D. Bispo; João Bastos; Sandra Costa; Vanessa Coutinho e Vilena Souza.


Trabalho do Grupo Memória/História (turma da noite)
Disciplina Relações Etnicorraciais na Escola
2011/2
Prof.: Paulo Carrano
Curso de Pedagogia -Niterói/UFF


Entrevistadora: “Como você abordava na escola as discussões sobre relações raciais? Como essas discussões eram recebidas pelos alunos negros e não-negros? Você chegou a falar nisso. Que quando pequeno você não tinha noção, mas no Ensino médio, por exemplo, você...”
Délcio: “Não. Essa discussão só começou a fazer parte da minha história mesmo, no último ano do Ensino Médio. Mais ou menos em 1988 ou 1989. Mais era uma voz solitária. Meio que ta bom, valeu, você falou e... em momento algum do Ensino Médio a gente discutiu isso e ai na faculdade mesmo. No curso de Jornalismo que eu fiz, foi um problema. A gente fazia discussão. Lembro de que uma ou duas discussões lá, e me lembro ate uma vez que uma moça muito bacana, muito gentil disse: ‘ah! Não, eu não sou racista e ba ba ba. Mas se eu tivesse o cabelo ruim igual ao seu, eu não...’ o problema que isso esta muito entranhado, ai eu questiono, mas por que ruim e então responde: ‘Não, não... que isso.’ ”

Entrevistadora: “Aí nega!”

Délcio: “É! Eu acho importante esse debate da cota, eu acho importante esse debate da lei. Não que a lei vá fazer você cumprir, mas a lei provoca a discussão. Quem ta na sala de aula, neste espaço tem sempre um grupo de alunos e alunas que eles sabem da existência da lei. Se você não estiver preparado para debater com ele, você vai dançar.
Ou você vai dizer: ‘Ah no Brasil não existe racismo.’ Não dá mais pra dizer isso. Não é tão simples assim. Agora tem uma discussão. Ninguém também vai fazer uma lei, se ela não for necessária.
Agora se você pegar essa história que estou falando para vocês e colocar isso em um espaço de discussão e colocar: ‘não estou dizendo que você é um racista, estou dizendo que nós temos reproduzido esse racismo e o quanto estamos sendo perversos no seio da escola’.
A pesquisa ta mostrando, a pesquisa ta mostrando o que a gente ta dizendo pra você. Desse grupo que começou comigo, só eu consegui me formar. Na faculdade em que eu estudava, nós éramos três na faculdade de Jornalismo. Um saiu, terminamos com dois. Numa turma, talvez de quarenta alunos.
A pesquisa que ainda está em andamento, já está me mostrando o resultado aqui na frente. A pesquisa vai mostrar que apenas 45% no Brasil são negros, se você pega o que estou te falando dessa pesquisa, o resultado dela já está aqui.
Essa reputação é ruim para a educação. Eu quero uma educação de qualidade. A estrutura tem que ser melhor? Tem. Mas a minha relação com o meu aluno, também tem que ser melhor. Não estou dizendo que a infra-estrutura não é importante, mas para mim, essa relação humana é fundamental.
Na escola, a sua grande maioria são trabalhadores, descendentes de negros. Essa nossa cumplicidade é necessária, e assim ter uma educação mais fraterna.
Se você não tem isso, não dá pra você resumir a coisa. Eu sou contra a isso, eu sou contra aquilo. Não se trata de ser contra. Trata-se de um debate e um diálogo que não dá pra fugir e nem simplificá-lo.”

Entrevistadora: “Agora, relacionado ao grupo Ylá-Dudu. O que significa?”

Délcio: Significa Grito Negro. É uma língua de Yorubá. Ylá significa grito e Dudu significa negro.

Entrevistadora: “Como é o seu trabalho no grupo?”
Délcio: “Esse grupo começou a ser pensado em 1988. Teve várias discussões. Enfim. Ele seria ligado a um partido, a igreja, se seria solto. Acabou ficando solto. Daí, a idéia da gente era a de provocar essa discussão em Angra dos Reis. O grupo não nasce descolado, mesmo porque as pessoas que constituíram esse grupo eram pessoas que estavam envolvidas com movimentos sociais, movimentos culturais e políticos na cidade. Aí teve um período muito forte de movimentos sociais de várias associações. E aí isso culminou um pouco com o governo do PT que logo começou em 88 e 89, não me lembro bem. E também essa era a dinâmica dos movimentos negros no Brasil. Daí, muitos grupos surgem nesse período, na década de 80. A idéia era isso. Nós não tínhamos essa discussão em Angra. A gente provocou isso. Rodamos as escolas e fomos criando e inventando um monte de coisas. Criamos alguns esquetes de teatro; questionamos a coisa de maio; falamos dos 20 de novembro e aí veio essa coisa do Jongo. Toda a atividade tinha o Jongo. Toda a atividade que tinha capoeira nós provocávamos os meninos sobre a importância da capoeira. A gente criou uma banda de samba-reggae dentro do grupo. Nós tínhamos um bom diálogo com toda a garotada. Hoje, está todo mundo lá. Uns são músicos. Outros são outras coisas. Eles nunca esquecem daqueles momentos , pois foi muito importante na vida deles de construção da identidade. Assim, isso é muito legal. Alguns ainda continuam com a gente. Ai sim, a gente rodou todas as escolas do município, fazendo esse debate, provocando essa discussão. Tanto que uma das secretárias de educação lá do município falou que se Angra hoje tem uma discussão sobre as questões das relações raciais é graças ao movimento negro e, para além disso, ele coloca que a forma como nós fazemos esse debate com o poder público foi legal, pois isso é uma relação muito difícil: movimentos sociais e poder público. Hoje, eu trabalho na Secretaria de Educação, e só trabalho lá por conta de minha ação no movimento negro. E isso tem uma importância muito grande porque a gente estabeleceu uma relação que é profissional, de parceria. Uma relação de fraternidade. A gente não ficou somente na questão do racismo. A gente compreendeu qual era a dinâmica do racismo em Angra e discutimos isso com os professores. Têm muitos professores da rede hoje (agora fez 20 anos, dia 9 de março de 2011), de Iladudu e nós comemoramos agora os 20 anos. E lá foram vários professores. Lá promovemos vários debates. Convidamos a Jurema Batista, que fez parte da mesa. Aí os professores colocaram isso, da importância do movimento negro em Angra dos Reis. Até então eles não tinham esse debate. Eles começaram a fazer esse tipo de debate a partir do surgimento do movimento negro e eles lembraram: eu lembro do Délcio com o tamborzinho. Isso é uma coisa bacana. Você conseguir vencer essas etapas sem que você crie tanto essa coisa de ódio, porque os movimentos negros parecem ser essa coisa de revolta. Às vezes você precisa fazer um apanhado da história do negro. Quando a gente começa a falar da minha história no movimento, a gente poderia até falar de outra pessoa do movimento negro. Assim, eu não posso deixar de falar isso. Eu não sou uma pessoa revoltada. Imagina. Não é isso. A gente entendeu que todos nós fizemos a sociedade na qual nascemos. Então, é tarefa nossa fazer dessa luta uma luta bacana, e o legal da questão racial é que você pode fazer a discussão com música, com poesia, dançando ou cantando. Eu lembro que teve uma época em Angra na qual a galera falava que o movimento negro só queria saber de tocar e dançar. Não existia ação política nos movimentos negros. Realmente isso foi mencionado. Daí, passamos a discutir o que é ação política para você? A gente fez atos públicos. A gente apresentava propostas. Nós cantamos e dançamos e fizemos tudo isso também. Pode não ser a melhor forma. A gente pode ter errado e erramos mesmo numa série de coisas ou de caminha. Mas, a gente fez coisas e se colocou assim. A gente se colocou para o debate público e não se colocando como detentores ou donos da verdadeira história, mas sim como pessoas capazes de também construírem a história do município e de trazer a tona a história daqueles que construíram aquele município. A nossa provocação era essa: de trazer essa discussão a curso. Provar quem está certo ou errado, não era isso. Era mais forte que isso. Nosso papel na história, por que fundamos o movimento negro de conscientização no município? Eu tenho carta guardada até hoje de uma pessoa que usou pseudônimo para escrever para um jornal local. Creio que ela tenha usado pseudônimo, pois ela falava dizendo, fazendo uma análise que têm pessoas frustradas, que não tem sucesso na vida e por isso queria dividir o município de Angra em pretos e brancos. Foi quando saiu pela primeira vez que saiu essa carta nos jornais que discutimos isso em nossa primeira reunião do movimento. A gente recortou, discutiu e guardou essa carta. Até hoje não se sabe de quem é a carta. Outra coisa. A gente sempre ia às rádios, pois os caras nos chamavam e sempre ouvíamos sobre essa carta. Trabalhando com esse entendimento de porque as pessoas estavam falando isso. A gente não estava dizendo isso, não porque exista maldade quanto à gente. Mas porque você não está se permitindo pensar diferente. E a gente precisa fazer isso: a gente precisa pensar diferente. Elas estavam reproduzindo um preconceito, né. Eu me lembro de uma senhora que era historiadora lá em Angra e ela falou disso.”

Entrevista com Délcio José Bernardo - Escola

** Foto: Paulo Carrano

Délcio José Bernardo é natural de Mambucaba, 4º distrito de Angra dos Reis e servidor público do município. Formado em Comunicação Social pela Universidade de Barra Mansa; Pós-graduado em Raça, Etnia e Educação no Brasil pelo PENESB, UFF.

Esta entrevista foi realizada na UERJ - Maracanã, RJ. No dia 23 de setembro de 2011.

Dividimos a entrevista em três blocos: Família; Escola, Jongo e Movimento Negro.

*Todos esses blocos foram permeados pelo tema Racismo.


Elizabeth de Paula; Ester Pacheco; Gláucia L. D. Bispo; João Bastos; Sandra Costa; Vanessa Coutinho e Vilena Souza.


Trabalho do Grupo Memória/História (turma da noite)
Disciplina Relações Etnicorraciais na Escola
2011/2
Prof.: Paulo Carrano
Curso de Pedagogia -Niterói/UFF



Tema: Escola


Entrevistadora: “A necessidade de ver nosso rosto nos espaços onde não estávamos habituados. O que te fez perceber isso? Teve alguma experiência marcante, que te atentou a esse fato?”
Délcio: “Tem a escola. A escola é uma experiência marcante para gente, né?... eu não generalizando. A minha fala é a fala do grupo que eu vivo. Mesmo a gente convivendo com o racismo na própria família da gente. A sociedade reproduz o racismo, não dá para você pensar que a sua família não reproduzirá. Lógico, tem famílias que não. A minha vivencia não. O racismo era reproduzido na minha família. Mesmo assim, ainda existe uma relação de igual, o comportamento era igual nessa família, entre os irmãos... Somos iguais. Quando você vai para a escola você encara o diferente. E a escola para nós era uma promessa de melhoria de vida. Minha mãe dizia muito isso: “vai para a escola, pois na escola você vai ser alguém”. Meus pais eram analfabetos. Não dominavam nem a leitura nem a escrita. Então era isso, depositar nos filhos uma expectativa de ter uma vida diferente. E essa vida diferente, é diferente em relação à cidade. Uma coisa é a vida da gente na roça. É onde você produz seu alimento, você é dono da sua mão-de-obra. Por mais que seja uma vida sofredora, porque a gente sabe como é tratado nesse país, mas ainda assim você tem como produzir. Na cidade é diferente. Na cidade, você sustentar uma família de 12 irmãos, pai e mãe, sobreviver, que emprego que tem? Enfim... isso gera uma coisa... é... você fica privado até da sua alimentação. E aí, isso gera nos pais um desespero, e acabam por pensar que a escola é o caminho. Ai quando você chega na escola, você começa a ver a configuração ou talvez a sistematização da questão racial. É a professora que ignora você em sala de aula. Se você falta ou se não falta... a relação da professora com alunos e alunas brancas em relação aos alunos negros. Isso é um choque. Não que eu entendesse que aquele momento ali era uma prática racista. Eu não tinha entendimento, mas você percebe ali a forma como as pessoas te tratam. Você sabe que é diferente, só não sabe o porquê. Essa experiência da escola é uma experiência muito marcante. Hoje, por que a maioria das meninas e meninos negros saem da escola? Não é só porque eles não têm grana. Hoje a gente vai percebendo isso. Em um espaço que você vai para “ser alguém”, você é tratado como ninguém. É uma questão de superação. Hoje quando eu vejo uma mulher ou um homem negro que se formou... Isso é um exemplo de superação.
Quando você ta na rua com o colega, você também entende aquele espaço como de brincadeira... Mas quando você está na escola, ali é o espaço para se transformar. A insistência da minha mãe de “ser alguém” que permitiu a permanência na escola.
Mas a escola não é uma experiência somente ruim. Hoje eu lembro que dentro deste real de coisas, uma das merendeiras da escola, era uma figura super acolhedora. Parecia que ela entendia que a gente tinha saído de casa sem tomar café. Ela levava a gente para o refeitório e dava um café reforçado. A escola foi uma experiência ruim, mas não só ruim.”

Entrevistadora: “Esse tratamento se dava de forma explícita ou implícita?”


Délcio: “O racismo tem várias dinâmicas, o professor Carlos Reis fala isso. Mesmo quando as pessoas estavam meio que te elogiando, elas elogiam a partir de um ato racista. De uma reprodução, de uma forma racista porque tinha hora que isso era muito claro, isso era muito aberto mesmo. E a gente pensava: ‘ah é porque a gente é pobre, mora no morro, porque vem com um sapato sujo de lama’. Deveria ser isso, mas nunca passou pela nossa cabeça a questão racial. A professora na hora de ir embora beijava todo mundo, e você passa despercebido. Os colegas chamavam a gente de macaco, cabelo de bombril e mais uma centena de coisas que a gente conhece. Eu pensava: ‘ah é porque não tenho dinheiro’, mas te chamar de macaco não é porque você não tem dinheiro. A gente percebia que alguns professores não tinham interferência, pelo contrário, alguns até riam. E essa também é uma dinâmica que o racismo faz. Às vezes a pessoa não concorda, mas não sabe como atuar. Então, às vezes, é mais fácil até rir também.”

Entrevistadora: “Ou às vezes ela pensa assim também.”

Délcio: “Ou às vezes ela pensa assim também. Porque ainda hoje a gente percebe. A gente avançou pra caramba, mas essas brincadeiras ainda estão presentes na vida da gente. Existe essa conivência. Mesmo você não percebendo... E se alguém chama a sua atenção, você discorda. Você ‘não, imagina. ser racista aqui no Brasil?’ Essa manifestação se dá em vários níveis. No nível de ser aberto. Mesmo sendo aberto, a gente não saber naquele momento que era. E o racismo de alguma forma velada mesmo. De ter vergonha na sala de aula de perguntar as coisas. Se entendeu, bem. Se não, deixa pra lá. E aí você vai embora assim. E o olhar que hoje eu identifico é a expectativa. Que expectativa as pessoas tinham da gente, quanto a alunos e alunas negros? É muito difícil você ver negros que ascenderam profissionalmente. Você vê nas ruas, atrás do balcão, enfim. Então, a expectativa do professor talvez seja: ‘ah, ele está estudando mas vai terminar como servente de pedreiro, carregador de caixa’, meio que tendo uma linha definida. Então, não dá pra você criar muita expectativa com esse grupo. Então, você tem que, dentro da escola, tentar... uma criança de seis, sete anos não vai pensar isso”

Entrevistadora: “O papel da família é importante. Sua mãe te incentivou. Porque se não fosse isso talvez você estivesse hoje vendendo bala.”

Délcio: “Eu fui pra escola com nove anos de idade e do grupo que entrou comigo, a maioria morreu devido à violência. Nenhum conseguiu se formar. Só eu. Eu tenho contato com esses que ficaram vivos (risos).”

Entrevistadora: “É a prova que o incentivo da família faz diferença.”


Délcio: “Faz (demonstra incerteza). Eu estou entendendo o que vocês estão falando, mas eu tenho medo de atrelarem o sucesso ao esforço. E que aqueles que não conseguiram se formar foi porque não se esforçaram. Minha família é formada por doze irmãos e só eu consegui me formar. Meus irmãos, primos, devem ser umas 60 pessoas. Dessas 60, a maioria chegou só até a 4ª série. Meu irmão, por exemplo, não o mais velho, mas mais velho que eu, deixou de estudar pra me dar uma força pra eu estudar. Então não foi porque ele não se esforçou. Depende de como as vidas das pessoas estão estruturadas. Então, às vezes, era mais fácil investir... Botar o pouco que tinha, e esse pouco era pouco mesmo (risos)... E aí quando a gente entra na escola a expectativa que a gente tem, que nossos pais colocam na gente, essa de que a escola vai nos fazer alguém, bota na nossa mente que a gente não é ninguém. Às vezes eu matava aula para pescar porque era muito mais bacana de se fazer. Era uma água clarinha com peixinhos e a mãe puxava a orelha.
Quando eu falo dessa merendeira e uma das diretoras que passaram por lá, a gente pensava ‘ah, tem alguém que vai dar uma segurada lá. ’ Na escola, se um aluno branco caísse no chão, era uma coisa. Quando era a gente que caía, ‘ah, tá acostumado, já’ ”

Entrevistadora: “O problema da história é esse. Não deveria ter esse tratamento diferenciado.”


Délcio: “Mas assim, a dinâmica é essa... Eu trabalho na Secretaria de Educação e o meu esforço em estar na educação... Eu era muito ligado com o movimento cultura. Já cheguei a ser diretor de cultura em Angra e percebi isso que a escola é um espaço muito bacana de se atuar. E essas experiências nos ajudam a refletir com os professores porque às vezes você vai repetir as histórias. Porque eu não acredito que essas pessoas da escola que estudei fossem maldosas ou fizessem isso para maltratar a gente, mas ela faz como uma reprodução. Então, é legal fazer esse debate, não com rancor, mas fazer esse debate porque estamos construindo vidas, crianças vão passar por você. E não ser só um aluno esforçado, mas ser um aluno que tenha esse apoio. Eu acredito que o ser humano é por si só um ser inteligente. E essa inteligência pode ser direcionada para vários caminhos... A riqueza da escola pública é fantástica e às vezes a gente tem pessoas que reproduzem esses racismos. A gente estava observando que em Angra, na rede municipal, são 24.800. E o censo feito com 12.400 alunos aponta que 50% desses 12.400 se declaram negro e 50% se declara branco. E quando chega no 5º ano o número de negros cai muito. E quando chega no 9º ano, tem 30% de negros e 70% de brancos. Então, as crianças estão saindo da escola. ‘Ah, mas isso é questão social mesmo’ mas a criança vai trabalhar? ‘é, a criança vai trabalhar’ mas é só crianças negras que trabalham? ‘ah, mas nessa fase do 9º ano os meninos começam a namorar’ mas só as meninas e os meninos negros? Aí tem essa defesa de que é uma questão social. Mas eu discuto que não é uma questão só social e coloco um pouco dessa minha experiência como aluno negro, esses absurdos, a coisa do cabelo, a valorização. E aí você vê o seu rosto, mas como positivo. E não somente como escravo, acorrentado, como um cara sujo, como um cara da rua, mas você vê o seu rosto dentro do contexto da família convencional, um rosto alegre. Não dá pra você ver seu rosto só em propaganda de lixão, de miséria. Isso cria um funil na expectativa da gente e na expectativa de quem tá ensinando, entre aspas, a gente. É simples. È só colocar a foto de uma criança negra feliz. A gente também tem felicidade. Mas não feliz porque ganhou um passe de ônibus, não feliz porque ganhou um bolsa-família, não porque ganhou um uniforme, mas feliz porque ele é bem na escola, porque é inteligente. E aí, vai se adequando à nossa imagem de felicidade relacionada às políticas de assistencialismo. Tipo assim, alguns vão sozinhos, outros precisam de ajuda, os que vão sozinhos são os meninos e os meninas brancas e quem precisa de ajuda são os negros.Você vê que é uma repetição de fato. Lei áurea, princesa Isabel . Então você vai ter sempre alguém indo segurando na sua mão, porque senão você não vai. Essa imagem não é verdadeira é uma reprodução de fatos e vai convencendo de que é verdadeiro.
E como uma criança de 6 ou 7 anos rompe com essa lógica? Normalmente você ouve as pessoas dizerem: ‘Eu comecei a ter entendimento de ser negro com 17 anos quando fui para o movimento negro’, o que é o meu caso. E no grupo do movimento negro que eu participo em Angra, por exemplo, a maioria das pessoas que se encaixava no grupo que tinha uma época era muito grande um grupo de quase trinta pessoas as falas eram as mesmas que estou falando pra você aqui, e pessoas de diferentes estados, gente de Minas... A história de abandono pela família era muito grande tinha 10 pessoas que a família abandonou que passou por FEBÉM. Essas histórias vão permeando a vida da gente imagine passar pela FEBEM. Como se recupera? A gente conhece a estrutura desses espaços. As histórias são histórias de superação, vai se superando, superando... Agora tentar entender como se supera acho que vai muito do momento, das famílias, a questão de amigos, você acaba se envolvendo com pessoas que te ajudam a fortalecer é uma construção mesmo. São vários diálogos que você vai fazendo ao longo da sua vida pra você de fato chegar no momento de conseguir entender toda essa dinâmica que o racismo coloca pra gente.”

Entrevistadora: “No texto você coloca a questão do dia 13 de maio, seu rosto era mais percebido, não só você também os outros eram evidenciados por conta da abolição. Eu queria te perguntar: existia alguma atividade específica naquele dia como existe o dia do Folclore que você cita no texto?”

Délcio: “Existia. Naquela época a professora falava da princesa Isabel, mandava fazer pesquisa sobre o dia 13 de maio, aí vinham aquelas sacanagens: ‘vai ser meu escravo’!
Há um tempo eu estava lendo, pesquisando nos materiais de Angra que tinha um período que eu não me lembro agora que a prefeitura de Angra fazia no dia 13 de maio uma tal de Festa da raça, eu não consegui achar muitos detalhes dessa festa, mas era uma festa que tinha músicas. O pessoal do jongo, que naquela época era minha família, fazia jongo. Os trabalhadores da resistência faziam atividade que era o cabo de guerra que era a maioria dos trabalhadores dos cabos arrumados hoje que na época a grande maioria eram homens negros que carregavam sacas de café, carregavam aquele ferro grosso e pesado, eram homens super fortes. Tinham três senhores que eu morei perto da casa deles que o povo contava que ficavam os três de um lado e juntava todos os outros homens do outro e os três conseguiam vencer. Eram homens fortes: seu Fagundes, seu Américo, então essas figuras assim. E essa Festa da Raça era um pouco isso e era a prefeitura que promovia. Eu não achei maiores detalhes dela, até vou pesquisar mais. Mas isso no 13 de maio e na escola era isso, fazer trabalho, fazer pesquisa, ir para a biblioteca pesquisar sobre o 13 de maio aquelas tinham aquelas coisas de fotos. Sempre aquela história o negro lutou, lutou e no treze de maio a princesa Isabel e libertou os escravos, a história termina aí, aí acaba tudo. De 13 para 14 todo mundo vira cidadão. Embora o 13 de maio tenha a sua importância, pelo fato legal, pela luta que os escravizados tiveram para que chegasse o 13 de maio que não é uma coisa gratuita mas é construído a base de muita luta. Mas não era essa a visão desses 13 de maio, a visão era de a gente ter sido libertado pela princesa Isabel no dia 13 de maio. Então, devemos isso eternamente à princesa?”

UFF organiza semana Afro-brasileira em Rio das Ostras

Rio - Professores e alunos dos cursos de Serviço Social, Enfermagem, Produção Cultural e Psicologia da Universidade Federal Fluminense (FF), do campus de Rio das Ostras, promovem de 16 a 18, a I Semana da Cultura Afro-brasileira.O evento tem como tema Memória e resistência sócio-cultural, e irá reunir especialistas de toda a Região dos Lagos.
fonte: Jornal o Dia online.

Entrevista Com Délcio José Bernardo - Família

Délcio José Bernardo é natural de Mambucaba, 4º distrito de Angra dos Reis e servidor público do município. Formado em Comunicação Social pela Universidade de Barra Mansa; Pós-graduado em Raça, Etnia e Educação no Brasil pelo PENESB, UFF.

Esta entrevista foi realizada na UERJ - Maracanã, RJ. No dia 23 de setembro de 2011.



Dividimos a entrevista em três blocos: Família; Escola, Jongo e Movimento Negro.





*Todos esses blocos foram permeados pelo tema Racismo.

** Foto: Paulo Carrano
Elizabeth de Paula; Ester Pacheco; Gláucia L. D. Bispo; João Bastos; Sandra Costa; Vanessa Coutinho e Vilena Souza.

Trabalho do Grupo Memória/História (turma da noite)
Disciplina Relações Etnicorraciais na Escola
2011/2
Prof.: Paulo Carrano
Curso de Pedagogia -Niterói/UFF


Tema: Família


Entrevistadora: “De acordo com o texto lido, você coloca que em um dado momento várias pessoas, inclusive sua família foram expulsas dos bairros de Mambucaba, Frade e Bracuhy, sendo obrigadas a viverem em áreas urbanas. Quando isso aconteceu e por quê?”

Délcio: “Isso aconteceu na década de 1960. O motivo era: o município era uma área de segurança nacional e foi escolhido para se situar no município, alguns empreendimentos. O estaleiro Verolme, que nesta época já estava em funcionamento; as três Usinas nucleares e a estrada Rio – Santos, que na verdade abria o município para os demais. O município tinha o contato até com o Rio, São Paulo, porém a estrada era muito precária. Então assim... era uma coisa muito do interior mesmo. E essa ligação com o restante do Estado era muito mais difícil. E ai a Rio – Santos ela abre essa possibilidade. Na época, tinha um slogan que era “o paraíso ao alcance de todos”, aí a Rio-Santos permite oi empreendimento do progresso e coloca uma aspa nesse progresso. Para quem é este progresso? Essa chegada do progresso foi incompatível com um determinado grupo. E eu fazia parte desse grupo. A minha família mesmo saiu pai mãe, irmãos. O meu núcleo familiar saiu em 1965. Tios e tias saíram antes.”

Entrevistadora: “Vocês passaram a morar?”
Délcio: “No morro do Carmo, que é um morro próximo do Centro. Na verdade o município cresceu muito nesse período. Era um município com poucas pessoas. A população triplicou. Não me recordo, agora, a quantidade de pessoas, mas existe a documentação referente a isso. Então, os morros do centro então, começaram a abarrotar essas pessoas. Carmo, Ilha Grande... Minha família foi então para o morro do Carmo. Eles tinham um loteamento, que era de um senhor e o pessoal pagava, né? Pro seu Antonio, à prestações. É uma área ainda sem titulo de terra, é uma área de posse ainda hoje.”

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Breve Parecer sobre a África

Elizabeth de Paula
Integrante do Grupo Memória/História (noite) - Disciplina Relações Etnicorracias na Escola - Curso de Pedagogia/UFF - 2011/2



Continente Africano - Globo Terrestre

Quando ouvimos falar sobre o continente africano, a primeira característica que vem à mossa mente é a pobreza. Outras características que lembramos são: AIDS, animais selvagens. E se pedirmos alguém para dizer algo sobre a história da África? Provavelmente, a pessoa lembrará o tráfico negreiro, da escravidão. Isto se deve, certamente, ao descaso que se faz da História da África, suas historias vividas antes de tirarem seu povo à força para outros continentes. Nas escolas, por exemplo, quando se fala de África ou de africanos, é sempre falando da escravidão. Mas a África não tem só essa história. Se voltarmos a séculos anteriores à chegada dos africanos no Brasil, descobriremos que a África tem sua própria história.


Os europeus, ao chegarem à África no fim do século XV, se depararam com muitos reinos e domínios. Essas formas de centralização política do período pré-colonial fizeram com que hoje existissem identidades grupais. Há quem diga que havia mais povos do que idiomas. “Não devemos confundir linhagem com o chamado comunismo primitivo, um tipo de sociedade imaginado por pensadores do século XIX influenciados pelo evolucionismo, no qual não haveria diferenças de poder ou riqueza dentro do grupo social.”[1]


Dentro dos reinos existiam cargos como: a cura, a comunicação com os espíritos, a guarda dos emblemas representativos da autoridade política ou religiosa, a manufatura, na caça, na pesca e na coleta. As regras de casamento e sucessão eram bastante variáveis, o que permitia uma relativa mobilidade social. Por exemplo, um jovem desejoso de se integrar a uma linhagem mais rica e poderosa que a sua como meio de ascensão social, poderia. Existia constante competição interna entre os povos, empenhados em acumular cada vez mais riqueza e prestígio. Por vezes, essa competição se transformava em conflito militar. “Pessoas de outros grupos, ao serem capturadas, eram, muitas vezes, utilizadas no trabalho agrícola ou doméstico e tornavam-se cativos de guerra.” (idem).
Essas pessoas que eram capturadas eram tratadas como escravas, mas a escravidão na África era diferente da escravidão que tivemos aqui no Brasil. Na escravidão da África, também chamada de Escravidão Doméstica, os cativos eram absorvidos, em uma posição subalterna, a um grupo de parentesco, e trabalhavam na produção de alimentos e utensílios a serem consumidos pelo próprio grupo, ou seja, não eram alimentos que seriam vendidos. Já, a escravidão vivida no Brasil era um sistema econômico, também chamado de Escravidão Mercantil, no qual a produção da riqueza de uma sociedade baseia-se fundamentalmente no trabalho escravo. Para essas sociedades, o escravo é uma mercadoria, destinada a produzir outras mercadorias a serem vendidas no mercado externo, e o pior os próprios escravos também eram vendidos e comprados e não tratados como pessoas.
Essa diferenciação da escravidão da África com a do Brasil foi esclarecedora para mim, pois já ouvi muito dizer que os negros quando vieram escravizados já estavam acostumados a serem escravos porque na África já havia essa prática, mas agora posso ver que não era bem assim. E outras questões como essas, devem chegar aos ouvidos da sociedade para que ela não pense errado acerca da África e dos negros.

[1] Centro de Estudos Orientais Afro Orientais. História da África e da Escravidão Africana. Disponível em: http://www.ceao.ufba.br/livrosevideos/pdf/uma%20historia%20do%20negro%20no%20brasil_cap01.pdf Acesso em 20 de ou. 2011.

Referencia Bibliografica:

Centro de Estudos Orientais Afro Orientais. História da África e da Escravidão Africana. Disponível em: http://www.ceao.ufba.br/livrosevideos/pdf/uma%20historia%20do%20negro%20no%20brasil_cap01.pdf Acesso em 20 de ou. 2011.