segunda-feira, 21 de novembro de 2011

'Aprendi a ler aos 15', diz professor de comunidade quilombola do CE

Presidente da Associação dos Remanescentes de Quilombos de Alto Alegre e Adjacências (Arqua), no município de Horizonte, Ceará, Francisco Haroldo Silva, 48 anos, é um professor que só começou a estudar aos 15 anos. ''Comecei a estudar já tinha 15 anos porque meu pai não era muito de incentivar estudo. Ele queria que eu trabalhasse para ajudar no sustento da casa", recorda. Neste domingo (20), comemora-se o Dia Nacional da Consciência Negra.
Francisco Haroldo cresceu na comunidade Alto Alegre, que, segundo o relato de antigos moradores como Tereza de Jesus da Silva, surgiu com a fuga do escravo Negro Cazuza de um navio ancorado na Barra do Ceará, em Fortaleza. O escravo se fixou em Alto Alegre e as festas dos moradores, no alto de uma serra, rederam o nome da comunidade. Na comunidade, segundo ele, teve oportunidade de viajar e lutar ''pelos direitos dos negros''.
Depois que a mãe abandonou a família no sertão central do Ceará, o pai de Silva e os dois filhos maiores se mudaram para Horizonte, município da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Como a escola era distante, Silva só passou a frequentar as aulas quando podia ir por conta própria. Enquanto fazia o supletivo do Ensino Médio, afirma, já começou a ser professor de alfabetização, em Horizonte.
Daí não parou. Haroldo ingressou na Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central, da Universidade Federal do Ceará (Uece). "Fiz Ciências da Natureza e Matemática. Me formei e comecei a melhorar de vida".Se hoje a casa é grande, de cimento e tijolo, "do jeito que sempre sonhou", foi também graças aos esforços nos estudos, segundo o professor. "Quando eu me casei, minha casinha era de taipa. Só tinha uma televisão pequena e uma bicicletinha para ir trabalhar todo dia", disse. No que depender dele, os filhos também vão para a faculdade.
Disciplina de afrodescendênciaSilva diz que boa parte da comunidade se recusa a lutar pelas melhorias. "O grande problema é a aceitação da comunidade em ser quilombola'', diz. Por isso, ele ressalta como de grande importância o fato de haver em todas as escolas de Horizonte a disciplina de afrodescendência, desde a pré-escola até o 9º ano. "O nosso povo tem melhorado bastante com essa influência da escola. Antes ninguém dizia que era negro, dizia que era moreno", afirmou.
Aos filhos, o professor diz que sempre fala que em vez de ter vergonha, deve-se ter orgulho. "Negro é uma cor linda". O filho do meio, de 17 anos, já acompanha os passos do pai e já representa a comunidade em lugares, onde Haroldo não pode ir. "Ele foi e representou muito bem".
BonecasNa mesma comunidade quilombola de Alto Alegre, um grupo de sete mulheres se reúne para fazer bonecas de pano negras. As mulheres receberam R$ 1 mil do Unicef para iniciarem o negócio, que acabou não dando tanto lucro, mas prazer para quem faz.
A coordenadora do grupo "bonequeiras da Arqua", Aldeniza da Silva, 37 anos, conta que há dois anos, eram 25 mulheres, que foram desistindo, porque não conseguiram muito retorno financeiro. "A gente está fazendo pelo prazer de fazer as bonecas. Eu ficava em casa assistindo televisão sozinha. Fui procurar o que fazer e veio isso para mim. Eu não queria ser líder nem nada", conta.
Mas as que ficaram, estão pelo prazer de construir algo e ainda conscientizam as crianças do orgulho de ser negro. "Ainda existe o preconceito. É importante para incentivarmos as criancinhas de que não tem nada de menor em ser negro. Ao contrário".
Além de bonecas, o grupo costura almofadas e mochilas com rostinhos de bonecas negras. Aleniza diz não saber quantas faz por mês, mas diz que o lucro dá para comprar o material. Ela recorda que a mãe costumava fazer bonecas de sabugo de milho. "As vezes quando eu estou fazendo eu fico imaginando minha mãe. Estou confeccionando a boneca na máquina. É um orgulho", afirma.

Fonte: http://g1.globo.com/ceara/noticia/2011/11/aprendi-ler-aos-15-diz-professor-de-comunidade-quilombola-do-ce.html

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