Roberto Conduru |
Na mostra Perles de Liberté, realizada na Bélgica, foram apresentadas joias de crioulas usadas na Bahia |
Na mostra Perles de Liberté, Conduru criou um ambiente sensorial, com músicas de Clementina de Jesus e Mart’nália, entre outras cantoras, cheiro de folhas de eucalipto espalhadas pelo ambiente em que ficaram expostas joias de crioulas usadas na Bahia e fios de contas para cultos aos orixás, além de fotografias. “Com essa diversidade, pretendi mostrar como as tradições africanas estão sempre muito presentes, como as ligações com a África são inerentes e fundamentais para a compreensão da cultura brasileira”, explica Conduru.
Homenageado na mostra Incorporations, o fotógrafo e escultor Mário Cravo Neto foi um dos artistas contemporâneos estudados pelo pesquisador. Ao conhecer o acervo do Museu Nacional de Antropologia de Angola, em uma viagem a Luanda, capital de Angola, em 1990, quando produzia fotos para o livro Angola e a Expressão da sua Cultura Material, teve seu interesse despertado para a riqueza artística dos terreiros. É a partir de 1998 que Cravo Neto se aproxima do culto afrobaiano e, por sete anos consecutivos, se dedica a fotografar e gravar em vídeo a vida e os rituais do culto, em especial do terreiro Ilé Àse Ópó Aganju.
Outro participante da mesma mostra, o artista plástico Martinho Patrício utiliza o tecido como suporte para seus trabalhos, evocando um diálogo que aborda conceitos relativos à religiosidade – sagrado e profano – em suas obras neoconcretas. Com exposições individuais no Observatório Cultural Malakoff, em Recife, em 2005; no Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães também em Recife, em 2002; e no Espaço Cultural Sérgio Porto, no Rio de Janeiro, em 2000; o artista também tem seus trabalhos como parte do acervo do Museu de Arte Moderna da Bahia, em Salvador. De acordo com o pesquisador, suas obras dialogam com a cultura popular, com forte acento afro.
Para exemplificar um pouco mais a relação intrínseca entre a cultura brasileira e a africana, o pesquisador cita o movimento modernista, no qual alguns artistas buscavam referências africanas, buscando, segundo explica Conduru, uma valorização da cultura afro. “Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Rubem Valentim e Heitor dos Prazeres são exemplos de artistas que representaram tipos e elementos da cultura afrobrasileira”, descreve.
“Ao conectar arte e cultura material às questões da africanidade e da afrobrasilidade, não se pretende delinear um estilo artístico afrobrasileiro, um movimento artístico produzido unicamente por afrodescendentes ou apenas representativo da cultura afrobrasileira. Importa mais configurar um campo composto por objetos e práticas bem diversificados, mas, de algum modo, vinculado a essas questões, a partir do qual tensões artísticas, estéticas, pedagógicas, culturais e sociais podem ser problematizadas historicamente”, explica.
Mesmo com a identidade artística nacional entrelaçada a essa influência africana, Conduru percebe um silenciamento sobre o assunto. “Não deixa de ser flagrante o silêncio quase completo que paira sobre as influências que as artes e culturas africanas têm na formação cultural e na arte brasileiras, seja antes, durante ou depois do modernismo. A inexistência de livros e exposições históricas agrava esta situação; há exceções de alguns museus, como o AfroBrasil, inaugurado em 2003, na cidade de São Paulo”, conta. Situação que Conduru retrata de forma poética: “Por isso, me refiro a cada produção artística que nasce desta condição social marginalizada como uma pérola, que surge da presença estranha de um grão de areia no interior da concha.” Para o pesquisador, cada pérola significa, como num fio de contas, a diversidade e a vastidão artística que formam a riqueza cultural brasileira.
Conduru ressalta que há movimentos caminhando para romper este silêncio. “Com certeza, existem e crescem continuamente estudos, publicações e exposições sobre africanidade e sobre afrobrasilidade em relação a práticas e obras artísticas, estéticas e culturais brasileiras. Mas ainda são iniciativas esparsas, desvinculadas, pouco percebidas ou pouco valorizadas.” Com seu trabalho, o pesquisador tem atuado muito para quebrar essas barreiras. O assunto também é tema de seu livro Arte Afrobrasileira, que tem sido cada vez mais utilizado nas bibliografias dos cursos de arte. “É um fato que transcende a questão de orgulho pessoal, mas que denota a valorização da arte afrobrasileira”, conclui.
Fonte: Faperj
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